segunda-feira, janeiro 16, 2012 5:49 PM

É tudo uma questão de dar com os ombros

por Ênio Vital

cercado dessa gente descolada, dos melhores amigos, num emprego digno, com um trabalho bacana, fimzinho de faculdade, virando adulto pra valer, caminhar pelas próprias pernas, sonho pouco, mas sempre desconexo, tanto show, quanto rock, um atrás do outro no repeat. estamos todos aqui, presos no tempo e no espaço.
me é tão custoso imaginar que nada disso me chama muita atenção. muitas perguntas por aí podem ser respondidas com tédio e vaidade, no meu caso, eu respondo com niilismo mesmo.
o fluxo das coisas seguem cada vez mais certas, corretas, diagramadas e visivelmente coerentes. mas quem liga? quer dizer, todo dia as coisas são diferentes, todo dia acontece alguma cretinice delatada por algum veículo de notícia, todo dia uma vida nova vem a tona em alguma parte do mundo, todo dia eu tomo café e escovo os dentes.
cada vez mais eu tento me fechar em mim, estar internamente ligado com minha alma, naquela tênue idiossincrasia da emoção e razão, e não vem nada.
minha alma cansou de vibrar, cansou. tá ali rígida e simples feito uma tábua de passar roupa. não me vejo cotado para grande feito algum, me sinto um número que vai perambular por aí como nos livros de ficção de adoux huxley ou philip k dick, sem catarse espiritual ou biológica ou emocional, tenho uma sensação única de sempre estar nem aí pra isso, sem forças para subir até a margem da água e recobrar o fôlego e não por resignação, por preguiça e mesquinhice de não me propor continuar nessa imensidão sem portas, janelas, num deserto continuo e infinito.
a criatividade e destreza nunca me foram tão boas e recompensadoras, me sinto preparado para resolver qualquer coisa, mas não tenho vontade. lutar pra quê? no mínimo, não me sinto pertencente a este lugar e a esta hora. e, como disse anteriormente, nem é uma má hora ou um má local. é coisa de alma mesmo, um sentimento de estar anestésico com o mundo.
confesso que isso não é de hoje, está camuflado pelos anos, é uma situação cíclica, sempre piora consideravelmente no verão, é a época que mais enxergo coisas que não sei explicar, é a época que mais vivo comigo mesmo. sempre busco um escritor da europa oriental para ler logo após os primeiros indícios de estar assim, mas nunca consigo muitas respostas - na verdade, as dúvidas só aumentam.
não há com o que se preocupar, de maneira indiferente novamente, sem nem prestar muita atenção, vai passar. é tudo uma questão de dar com os ombros.
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